Crítica: Suspiria (2018)


Quando você vai dirigir a refilmagem de um dos maiores filmes de terror de todos os tempos, você tem que estar disposto a ser muito criticado e literalmente dar a cara a tapa. Luca Guadagnino, diretor do aclamado Me Chame Pelo Seu Nome (2017), sabia exatamente disso e estava disposto a trazer sua visão para as telas da melhor maneira possível. E para isso, ele tinha a consciência de que não deveria apenas transcrever o original para as novas audiências, até porque sua intenção não era essa.

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A prova disso é ambientar a história no mesmo ano do original, trocando apenas Friburgo por Berlim. Ao adotar essa medida, o roteiro de Guadagnino e David Kajganich traz consigo também todo o peso sociopolítico da época para o enredo e isso acaba servindo como elemento-chave para a compreensão de tudo. Mas aí vocês devem estar se perguntando: Suspiria não é um filme sobre bruxas? Por que precisamos entender tudo? Porque vocês devem esquecer o Suspiria de Argento. Este é um novo filme.


A premissa geral ainda está lá. Ainda seguimos a jovem americana Susie Bannion (Dakota Johnson) em sua viagem até a Alemanha para ingressar na prestigiada Academia de Dança Tanz. Vinda de uma família de cristãos fundamentalistas, a moça leva consigo uma aura de ingenuidade mas sempre compensa em seu talento, o que chama a atenção da Madame Blanc (Tilda Swinton), a diretora artística do lugar.

Blanc acolhe Susie a partir do momento em que ela se propõe a dançar o papel principal na antecipada apresentação da academia, papel este que pertencia à Patricia (Chloe Grace Moretz) antes dela desaparecer sem deixar sinais. A misteriosa garota acabou deixou seu diário com o psicólogo Josef Klemperer (também Swinton), que vinha acompanhando-a durante as últimas semanas. Antes, ele não acreditava muito no que considerava ilusões dela, mas depois que percebe que ela desapareceu, o doutor começa a investigar uma teoria que ela vinha fomentando: que a Academia era comandada por bruxas e que ela era um alvo.


Guadagnino pega a história bolada por Argento e sua então esposa Daria Nicolodi e toma para si mesmo ao dar não só uma identidade narrativa completamente diferente, mas uma identidade artística. Esqueça a fotografia cromática e realçada, esqueça o rosa vibrante. Esse Suspiria assume tons muito frios, o que não deixa de ser belo, principalmente da forma que é elaborado em cena. A academia desta versão não é tão marcante quanto a do original, e isso é uma pena, mas mesmo assim, o longa ganha vida onde cada elemento entra em contraste um com outro. Seja pelo figurino, seja pelo cabelo, seja pelo cenário. Tudo casa bem.

A história é dividida em seis atos (e um epílogo) ao longo de 150 minutos, uma grande diferença se considerar os 90 do original, e isso só evidencia como as preocupações de Guadagnino são bem maiores que apenas um terror convencional. Para isso, ele adiciona diversas camadas como o contexto sociopolítico da Alemanha nos anos 70 que funciona em paralelo com os temas principais, como as relações de poder e o abuso dele.

Mas acima de tudo, essa releitura serve para iluminar um pouco os personagens que podiam soar apagados na versão original - ainda que, para suas respectivas funções até então, estejam perfeitos. É óbvio que precisaria de uma adaptação maior pois o foco de Guadagnino não é exatamente eliminá-los, mas sim explorar seus papéis dentro daquela tramoia sobrenatural. Um exemplo claro disso é a Madame Blanc, uma megera puramente vilanesca no original, que aqui adquire uma persona completamente diferente.


A direção do cineasta italiano acaba tendo um efeito hipnótico que faz com que as duas horas e meia de duração não sejam insuportáveis. Seja nas cenas mais calmas, que ainda possuem seu charme principalmente pela presença do elenco de peso, mas principalmente nas sequências de dança que exalam um magnetismo tão forte que é impossível despregar os olhos, principalmente na grande apresentação.

Tudo isso culmina numa das cenas mais perturbadoras do ano, e olha que estamos falando de um filme onde uma personagem tem seu corpo completamente retorcido como uma boneca de pano. No clímax, presenciamos o ritual para a ascensão de uma das três mães presentes na mitologia, no caso a Mater Suspiriorium, ou a "Mãe das Lágrimas". A sequência além de ser grotesca ao ponto de terem colocado um filtro vermelho para não ganhar um belo de um barramento da censura, também guarda suas próprias surpresas.


Coincidentemente, a cola de todo o produto é a trilha sonora. Quase que um contraponto à estridente soundtrack do Goblin no filme original, que parece ter sido gravada diretamente do inferno, o novo Suspiria conta com a assinatura de Thom Yorke, do Radiohead, para uma coleção de melodias melancólicas que casam perfeitamente com o tom adotado. Algumas das canções embalam os momentos mais icônicos da obra e elas funcionam quase que como um personagem à parte.

Uma coisa é certa. A nova versão de Suspiria não é o terror convencional que você procura e o fato de ter dividido o público (e a crítica) explana como é 8 ou 80. Ou você o adorará como é ou você vai odiá-lo e preferirá o do Argento. De qualquer forma, quem ganha o presente somos nós que temos duas imaginações tão diferentes e completas de uma história rica e que pode render ainda mais. Será que teremos mais um capítulo nesse universo como o Guadagnino diz pretender fazer?
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FICHA TÉCNICA
Título Original: Suspiria
Ano: 2018 • Duração: 152 minutos
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: Luca Guadagnino, David Kajganich
Elenco: Dakota Johnson, Tilda Swinton, Mia Goth, Sylvie Testud, Chloe Grace Moretz
Sinopse: As trevas tomam conta de uma renomada companhia de dança, envolvendo a diretora artística do grupo (Tilda Swinton), uma ambiciosa jovem dançarina (Dakota Johnson) e um psicoterapeuta de luto (Lutz Ebersdorf). Alguns irão sucumbir ao pesadelo. Outros irão finalmente despertar.

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